Em uma analogia, o narrador de um texto literário é como a câmera em um filme: é ele que mostra (e oculta) para o leitor uma versão dos fatos, organizando a sequência de acontecimentos da história. É essa instância da narrativa que conduz o leitor, e configura o universo ficcional.
Toda história contada tem um narrador, ou seja, uma instância que organiza os eventos narrados e que mostra, ao leitor, espectador, ou ouvinte, sua versão dos fatos. Uma boa forma de entender o narrador é pensar nele como uma câmera de cinema. É ela que mostra o que devemos ou podemos saber da história naquele momento e é, através dela que ficamos sabendo a respeito dos eventos e acontecimentos da história.
Com um narrador de um texto de ficção, acontece exatamente a mesma coisa: é ele que mostra, revela, os detalhes e circunstâncias de uma narrativa, ao mesmo tempo em que ele também faz parte dessa narrativa. É muito interessante observar que, em certos casos, o narrador prega peças no leitor, ocultando fatos que poderia muito bem revelar ou colocando uma forte dose de crítica nos próprios personagens (como Machado de Assis fazia, e fazia muito bem).
O narrador é “esta instância narrativa que vai conduzindo o leitor por um mundo que parece estar se criando à sua frente. [...] não há como fugir desse elemento presente, sob diversas formas, em todos os textos caracterizados como narrativas. Como podemos receber uma história sem a presença de um narrador? Como podemos visualizar uma personagem, saber quem ela é, como se materializa, sem um foco narrativo que ilumine sua existência? Assim como não há cinema sem câmera, não há narrativa sem narrador.” (BRAIT, 1985 p.52-53)
“Assim sendo, consideraremos que o narrador pode apresentar-se como um elemento não envolvido na história, portanto, uma verdadeira câmera, ou-como uma personagem envolvida direta ou indiretamente com os acontecimentos narrados. De acordo com a postura desse narrador, ele funcionará como um ponto de vista capaz de caracterizar as personagens” (BRAIT, 1985 p.53).
Não se confunda: narrador não é autor. Assista ao vídeo para entender melhor.
"As variantes de narrador em primeira pessoa ou em terceira pessoa podem ser inúmeras, uma vez que cada autor cria um narrador diferente para cada obra. Por isso é bom que se esclareça que o narrador não é o autor, mas uma entidade de ficção, isto é, uma criação linguística do autor, e portanto só existe no texto. Numa análise de narrativas evite referir-se a vida pessoal do autor para justificar posturas do narrador; não se esqueça de que está lidando com um texto de ficção (imaginação), no qual fica difícil definir os limites da realidade e da invenção. Este pressuposto é válido também para as autobiografias, nas quais não temos a verdade dos fatos, mas uma interpretação deles, feita pelo autor. (GANCHO, 2000, p.29)
Nada mais normal do que haver uma variedade de formas de contar uma história na ficção: a mesma coisa se passa na vida real quando vamos contar uma fofoca história para outra pessoa: podemos contar como se estivéssemos fora da fofoca história, ou como se estivéssemos dentro dela, ou seja, quando ela acontece conosco mesmo, usamos a primeira pessoa do discurso: “eu”.
“A câmera finge registros e constrói as personagens” (BRAIT, 1985, p 57)
Quando o narrador está de fora da história, ou seja, não participa dela, dizemos que o foco narrativo é de terceira pessoa. Esse narrador, por não ser um dos personagens da história, tende a ser caracterizado como imparcial, o que, nem sempre é verdade, pois ele pode também estar tentando manipular o olhar e os julgamentos do leitor.
Normalmente, a esse tipo de narrador são associadas duas características principais: a onisciência, quando ele demonstra conhecimento de todas as coisas e tudo o que se passa internamente aos personagens; e a onipresença, quando ele se mostra presente em todos os espaços da narrativa.
Esse “é o narrador que está fora dos fatos narrados, portanto seu ponto de vista tende a ser mais imparcial. O narrador em terceira pessoa é conhecido também pelo nome de narrador observador, e suas características principais são:
a) onisciência: o narrador sabe tudo sobre a história [...]
b) onipresença: o narrador está presente em todos os lugares da história.” (GANCHO, 2000, p.27)
"O narrador em terceira pessoa simula um registro contínuo, focalizando a personagem nos momentos precisos que interessam ao andamento da história e à materialização dos seres que a vivem." (BRAIT, 1985 p.57)
Cândida Vilares Gancho aponta duas variantes para o narrador de terceira pessoa:
“a) Narrador ‘intruso’: é o narrador que fala com o leitor ou que julga diretamente o comportamento dos personagens.” (GANCHO, 2000, p.27-28)
“b) Narrador ‘parcial’: e o narrador que se identifica com determinado personagem da história e, mesmo não o defendendo explicitamente, permite que ele tenha mais espaço, isto é, maior destaque na história.” (GANCHO, 2000, p.27-28)
Quando quem narra é o “eu”, dizemos que o foco narrativo é de primeira pessoa. Isso significa que o narrador também é um personagem dentro da narrativa e que, do lugar que ocupa nela, conta a história. Essa forma de narrar tem uma consequência bastante importante: como o narrador é um personagem, sua visão dos acontecimentos e dos personagens é limitada.
Nas palavras de Beth Brait,
“A condução da narrativa por um narrador em primeira pessoa implica, necessariamente, a sua condição de personagem envolvida com os “acontecimentos” que estão sendo narrados. Por esse processo, os recursos selecionados pelo escritor para descrever, definir, construir os seres fictícios que dão a impressão de vida chegam diretamente ao leitor através de uma personagem. Vemos tudo através da perspectiva da personagem, que, arcando com a tarefa de “conhecer-se” e expressar esse conhecimento, conduz os traços e os atributos que a presentificam e presentificam as demais personagens” (BRAIT, 1985, p. 60-61)
“Primeira pessoa ou narrador personagem: é aquele que participa diretamente do enredo como qualquer personagem, portanto tem seu campo de visão limitado, isto é, não é onipresente, nem onisciente. No entanto, dependendo do personagem que narra a história, de quando o faz e de que relação estabelece com o leitor, podemos ter algumas variantes de narrador personagem.” (GANCHO, 2000, p.27).
"a) Narrador testemunha: geralmente não é o personagem principal, mas narra acontecimentos dos quais participou, ainda que sem grande destaque.” (GANCHO, 2000, p.28-29).
"b) Narrador protagonista: é o narrador que é também o personagem central. Podem-se citar inúmeros exemplos deste tipo de narrador [...] temos um narrador que está distante dos fatos narrados e que, portanto, pode ser mais crítico de si mesmo” (GANCHO, 2000, p.28-29).
John Watson é um ótimo exemplo de narrador testemunha. Enquanto Sherlock Holmes protagoniza e guia as histórias, brilhando como o personagem principal genial que é, o seu fiel amigo é quem se ocupa em registrar suas histórias, narrando-as de seu ponto de vista: o de alguém que participou de toda a ação, mesmo não estando no papel de maior destaque.
Em Os sofrimentos do jovem Werther, de Johann Wolfgang von Goethe, a história é narrada pelo próprio Werther que, desiludido com um amor impossível, sofre e, em cartas a um interlocutor, desvenda toda a complexidade e densidade de seu sofrimento psicológico. O Grande Gastby, de F. Scott Fitzgerald utiliza a mesma técnica narrativa.