Agostinho de Hipona, ou Santo Agostinho, importante filósofo medieval escreveu em suas Confissões:
“Se ninguém me pergunta, eu sei; mas se me perguntam, e quero explicar, não sei mais. [...] Ou, esses dois tempos, o passado e o futuro, como eles podem ser, se o passado não é mais, e o futuro ainda não é? Pelo presente, se ele fosse sempre presente sem voar ao passado, então não seria mais tempo; ele seria a eternidade. [...] e podemos dizer, na verdade, que o tempo seja, senão que ele tende a não ser?
[...] Mas o que agora parece claro e manifesto é que nem o futuro, nem o passado existem, e nem se pode dizer com propriedade, que há três tempos: o passado, o presente e o futuro. Talvez fosse mais certo dizer-se: há três tempos: o presente do passado, o presente do presente e o presente do futuro, porque essas três espécies de tempos existem em nosso espírito e não as vejo em outra parte. O presente do passado é a memória; o presente do presente é a intuição direta; o presente do futuro é a esperança" (AGOSTINHO, 1964).
De maneira bem simplista, vamos nos apoiar nos tempos que a língua portuguesa nos oferece: o passado, o presente e o futuro. Enquanto sociedade, nós balizamos nosso universo através dessas três medidas organizadas linearmente, ou seja:
Passado –> presente –> futuro
As narrativas, naturalmente, também utilizam esse referencial, seja para segui-lo de forma linear, seja para estabelecer rupturas. Dessa forma, o enredo pode ser apresentado na ordem cronológica dos acontecimentos narrados, ou pode ser apresentado em uma ordem diferente, alternando passado, presente e futuro. Por tratar-se de uma escolha linguística, quando o narrador opta por subverter a ordem cronológica ele o faz com determinada intencionalidade.
Possivelmente, você já teve a impressão de que algumas histórias parecem voar de tão rápido que passam enquanto outras parecem se arrastar de demorar anos metafóricos para acabar. Possivelmente muito dessa impressão se deve ao andamento da narrativa, ou seja, à velocidade na qual os acontecimentos são apresentados ao leitor.
O narrador pode optar por esmiuçar ao máximo um evento da história, oferecendo ao leitor uma riqueza de detalhes e, assim, utilizando várias linhas, ou até mesmo páginas para dar conta de determinado acontecimento. Esse recurso nada mais é do que a expansão de um evento, fazendo com que a narrativa seja mais lenta, geralmente para valorizar determinado momento.
O contrário, por sua vez, também pode ocorrer, principalmente quando o narrador não tem interesse em pormenorizar acontecimentos e, então, dá saltos narrativos, fazendo com que a história pareça mais rápida, através do uso da aceleração.
Além disso, outra escolha narrativa bastante interessante é iniciar o texto in media res, ou seja, começar a história no desenvolvimento, sem passar pela apresentação ou pelo início do conflito.
Outros recursos ainda que interferem no andamento da narrativa são os que impactam diretamente sua linearidade. A analepse, mais conhecida como flashback, é uma retomada de eventos ocorridos no passado; já a prolepse, ou flashfoward, é o salto para eventos que ocorrem no futuro do tempo da narrativa.
O tempo físico está relacionado com o que é externo aos indivíduos, com o tempo que pode ser mesurado com precisão e de forma absoluta através de relógios, por exemplo. Assim, duas pessoas em lugares diferentes do planeta que cronometram um minuto terão exatamente os mesmos 60 segundos como resultado da medição (por mais que a relativização do tempo seja fascinante e interessante, para nossa discussão de agora, vamos nos ater à concepção mais básica do tempo físico). Também podemos compreender o tempo físico como uma manifestação do tempo cronológico, ou seja, a organização de eventos em sua ordem temporal.
Por sua vez, o tempo psicológico relaciona-se mais à percepção e ao universo interno do indivíduo, sendo alongado ou encurtado de acordo com sua experiência e impressão. Isso quer dizer que apesar de uma hora ter sempre 60 minutos, a percepção da passagem do tempo é alterada de acordo com os afetos de cada um, de forma que 60 minutos numa sala de espera podem parecer muito mais demorados do que 60 minutos gastos em uma conversa animada.
Na narrativa, o tempo psicológico apresenta-se muito mais abstrato e pouco objetivo, uma vez que ele é interno ao personagem. Podemos percebê-lo em memórias, devaneios, alucinações, ou seja, em ações prioritariamente psicológicas. Naturalmente, por obedecer a uma lógica interna do personagem, o tempo psicológico não precisa coincidir com o tempo físico, de forma que a rememoração de uma vida inteira pode durar poucos segundos no tempo físico.